[por Taicy Ávila]
Imagine que
você, aos seus 20, 30, 40 ou sei lá quantos anos, acabou de perder a sua mãe,
que morreu repentinamente. Você está arrasado, chorando inconsolavelmente. Um
amigo[a], seu ao companheiro[a] ou algum parente querido, enfim, alguém que
você gosta, vem e lhe dá um longo abraço. Depois de algum tempo, essa sensação
reconfortante faz com que você pare de chorar. Então você pensa que aquela
pessoa está disponível pra você, e irá te ajudar a enfrentar a dor da separação.
Mas... tão logo você pare de chorar, a pessoa se solta de você, vira-lhe as
costas, e vai cuidar da sua própria vida, pois está muito atarefada. Como você
se sentiria? Desamparado? Iria confiar novamente naquela pessoa?
Pois agora imagine
que você é um bebê recém nascido. Você ainda não tem noção de tempo, de espaço,
de permanência, nem da diferença entre eu/outro. Seu mundo está centrado no
afeto que você recebe da sua mãe, junto com o leite e o colo materno, e você
crê que sua mãe faz parte de você. Por isso, o contato pele a pele com a mamãe
é a sensação mais reconfortante do mundo. Quando você chora, sua mãe lhe pega
no colo, e isso faz com que você pare de chorar. Mas assim que você para de
chorar... sua mãe o AFASTA dela, colocando-o no berço. Como você se sentiria?
Desamparado. Você não sabe por que ela fez isso, apenas sente que precisa
desesperadamente do contato, está imensamente angustiado sem ele, pois uma
parte de você (a sua mãe) desapareceu repentinamente. Então começa a chorar de
novo. Sua mãe o pega novamente no colo. Tão logo você se acalma... ela o
devolve ao berço, seu “devido” lugar. Você chora de novo, e o ciclo se repte
infinitamente.
Essa dança esdrúxula
continua até que um dos dois se canse: ou você para de chorar e, a partir
daquele momento, convive com a sensação internalizada de desamparo. Ou sua mãe
percebe que tudo isso é inútil e decide lhe dar o colo e o peito sempre que
você “pedir” através do choro ou inquietação. De qualquer forma, será que passar
por essa experiência de desamparo, por repetidas vezes, pareceu algo positivo
pra você?
Pois é isso
que os métodos de treinamento de bebês preconizam. Que você faça o seu filho
passar repetidamente pela experiência do desamparo, até acostumar-se com ela e
desistir de chorar, pois já perdeu as esperanças de que o seu choro seja
acudido. Alguns métodos pregam abertamente que o bebê deve ser deixado
chorando, e os pais não devem dar-lhe colo em hipótese alguma. Já outros
parecem mais “suaves”, e dizem que não se deve deixar a criança chorando, que
deve-se acudir ao choro, mas, tão logo ele cesse, a criança deverá ser colocada
de volta no berço. Também dizem que a criança deverá ser posta no berço ainda
acordada, afinal, ela precisa “aprender” a dormir sozinha, e consolar a si
mesma.
Todos os
métodos (e também o senso comum) dizem que não podemos dar colo aos bebês
sempre que eles choram, pois isso os tornaria “dependentes”. Que ilusão!
Dando-lhes colo ou não, os bebês JÁ SÃO dependentes. Bebês recém nascidos obviamente
não podem alimentar-se, limpar-se ou mesmo moverem-se sozinhos. A essa absoluta
dependência do recém nascido, Freud denominou “desamparo primordial”.
Ou seja, todo ser humano nasce dependente de cuidados de alguém para
sobreviver, sem os quais está desamparado (e condenado à morte) tanto física
quanto psicologicamente. Assim sendo, a função da mãe, ou de qualquer pessoa
que desempenhe o papel materno, é AMPARAR o bebê. Como já dissemos aqui, o bebê
ainda não tem noção de tempo, de espaço, de permanência, nem da diferença entre
eu/outro. Ele só poderá construir essas noções, e assim se constituir como
indivíduo, a partir do AMPARO oferecido pela mãe. Do colo, do olhar, da voz, do
toque, do cheiro, oferecidos pela mãe, quando o bebê tem seu choro atendido e consolado.
Na Psicologia do Desenvolvimento, os mais diversos autores, depois de Freud,
ratificaram esta idéia.
Winnicott
chamava o amparo dado pela mãe de “holding”. Em inglês o verbo “to
hold” significa tanto segurar/amparar quanto abraçar. Consideramos a escolha
dessa palavra pelo autor não apenas significativa, mas também poética. Segundo
Winnicott, todas as mães são naturalmente boas o suficiente para fornecerem o holding
adequado aos seus filhos, desde que não haja traços de doença mental nelas. E
nós acrescentaríamos: desde que não sejam constantemente instruídas pelos
“especialistas” a não atender ao choro do bebê, para que ele não seja “mimado”.
Erikson
denominava o amparo de “sentimento de confiança básica”. Segundo
ele, ao satisfazer as necessidades do bebê, a mãe transmite a ele a sentimento
de que ele é valioso (pois merece ser atendido) e o mundo é um lugar bom (pois
o atende). Assim o bebê poderá sentir-se confiante, e desenvolver a virtude da
vontade, que dará base à sua futura autonomia. Do contrário, quando o bebê não
é atendido, interiorizará as sensações de que ele não é valioso e o mundo é um
lugar negativo, levando-o à desconfiança em si nos outros.
Mahler
e seus colaboradores falavam da “simbiose” entre mãe e bebê onde, ao
ser atendido e amparado constantemente pela mãe, bebê a introjeta, colocando-na
dentro do seu ego (eu) e assim tornando-se capaz de, futuramente, sentir-se
amparado em seu mundo psíquico interno, mesmo na ausência da mãe. Ou seja,
tornando-se capaz de iniciar sua autonomia e se autoconfrotar, a partir da
experiência de ser confortado pela mãe.
Spitz
falava da importância da “identificação primária”, definida
como um estágio primitivo entre o eu e o não-eu, vivenciado por todos os bebês
no início de sua existência. Segundo Spitz, o bebê só poderá superar esse
estágio inicial através do TOQUE, do contato pele a pele, proporcionado pela
mãe em todos os momentos de cuidados e também de carinho e brincadeiras com o
bebê. Através do toque materno o bebê construirá paulatinamente a idéia de que
existem limites que definem o seu corpo, separando-o do corpo da mãe. Assim ele
abrirá as portas para o processo de “identificação secundária”, que
ocorre através da imitação e do faz de conta, dando início à aquisição da
autonomia. Ou seja, o contato pele a pele fará com que o bebê descubra o seu
corpo como separado do corpo da mãe; só assim ele poderá ver a mãe, e todas as
outras pessoas que o cercam, como alguém que pode ou não ser imitado por ele,
para formar a sua própria identidade. A falta do toque materno não apenas
retarda a aquisição dessa autonomia e a construção da identidade como, se for
muito extremada, leva a doenças psicossomáticas tão graves que podem culminar
até mesmo com a morte do infante.
Bowlby
elucidou o conceito de “apego”, ou seja da relação e necessidade do vínculo
entre o bebê e a mãe. Segundo o autor, a necessidade do vínculo de apego, para
o bebê, é tão grande quanto a de alimento ou quaisquer outras necessidades
fisiológicas necessárias à sobrevivência. O bebê precisa sentir um apego
seguro, sabendo que, sempre que chorar ou o solicitar de quaisquer formas, a
mãe atenderá às suas necessidades. O fato de sempre ter suas solicitações
atendidas proporcionará ao bebê a internalização desse vínculo com a mãe, formando
uma base segura para que ele possa, mais adiante, vir a explorar o mundo mais
amplo. Esta relação íntima e calorosa entre o bebê e a mãe, segundo o autor,
constituía a base para a formação da personalidade e a saúde mental do
indivíduo. Estudando o comportamento das crianças que foram privadas desse
apego afetuoso com a mãe (ou outra figura substituta) ainda em tenra idade, o
autor concluiu que havia um impacto direto na saúde mental, provocando
ansiedade, depressão, agressividade, delinquência e forte sentimento de culpa.
Durante
séculos, ou milênios, os seres humanos consideraram muito natural que os bebês
fossem mantidos o tempo todo junto de suas mães, muitas vezes, carregados junto
ao corpo delas, em tipóias, pela maior parte do tempo. Que fossem amamentados
em livre demanda. Que dormissem junto de seus pais. Somente no início do século
XX, com o advento da puericultura e da higiene como ciências, bem como da
indústria do leite em pó, introduzindo a amamentação com mamadeiras em larga
escala, começaram a surgir “regras” que aconselhavam o contrário: que os bebês
deveriam ser alimentados com escalas de tempo rígidas, que deveriam dormir
sozinhos em berços e deveriam aprender a serem “autônomos” desde cedo. Todas
essas supostas orientações já foram derrubadas pela Psicologia do
Desenvolvimento e ciências afins, mas sua penetração em nossa sociedade foi tão
profunda que o primeiro conselho ouvido por pais e mães de primeira viagem
costuma ser alguma variação da frase “Deixe o bebê chorar para não ficar mal acostumado”.
Já sabemos há
décadas os efeitos da privação materna sobre os bebês, estudados pelos mais
diversos autores, como expusemos aqui. Ainda assim, a prática de deixar os
bebês chorando, fazendo-os passar repetidamente pela experiência profunda do desamparo,
continua a ser recomendada, não apenas pelos palpiteiros de plantão, mas também
por autores muito populares de livros de puericultura. Por isso, grande parte
de nossas crianças passou, e continua passando, pela experiência de chorar
sozinha até aprender a se “autoconfortar”. Não é de se admirar que hoje a
depressão seja considerada o “mal do século”, e os antidepressivos e calmantes
estejam entre os fármacos mais vendidos em todo o mundo ocidental.
Portanto, da
próxima vez que alguém lhe aconselhar a deixar o seu bebê chorando, não tenha
dúvidas: siga o seu coração, pegue o seu bebê no colo, conforte-o, embale-o,
olhe-o acarinhe-o, dê-lhe o peito. Sim, hoje ele é dependente de você. E
atender bem a essa dependência agora, confortando-o, será a base para que ele
possa começar a construir sua futura autonomia, independência e saúde mental.
_____________________________________________________________________________
Taicy Ávila é Psicopedagoga e Mestre em Psicologia
pela UnB (Universidade de Brasília).
_____________________________________________________________________________
Bibliografia:
BOWLBY, J. (2006). Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes.
MAHLER,
M.; PINE, F.; BERMAN, A. (1993). O
nascimento psicológico da criança: simbiose e individuação. Porto Alegre:
Artes Médicas.
SPITZ, R. A. (2004). O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes.
WINNICOTT, D. W. (2006) Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.