SEJAM BEM VINDAS, MAMÃES!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

PARA QUE SERVE A POLÍCIA?


Está circulando como viral na internet um vídeo horrendo (que felizmente é de ficção) de um menino que chama a polícia porque apanhou de cinto de sua mãe. NÃO vamos postar o link aqui para não divulgar ainda mais este material que estimula e propagandeia a violência contra a criança. Mas, gostaríamos de deixar algumas reflexões:
1.    A mãe do menino alega que bateu nele porque foi avisada pela direção da escola, num telefonema, de que ele estava faltando aulas sem o seu consentimento. Se a falta da criança parece grave, qual seria a gravidade da falta da MÃE? Se o seu filho sai de casa para ir à escola, mas mata as aulas, e responsabilidade é somente do pequeno ou também do adulto, que é responsável pela criança? O adulto não acompanha a vida escolar do filho: não o leva e busca na escola (vale lembrar que é uma criança de no máximo uns 10 anos), não verifica seus cadernos, agenda escolar, livros didáticos, deveres de casa, não vai às reuniões de pais e mestres? Porque se a mãe fizesse tudo isso (que é o mínimo esperado de quem acompanha a vida escolar dos filhos) ela certamente já saberia se ele está assistindo às aulas ou não, e não precisaria receber um telefonema da escola pra descobrir a ausência do filho.
2.    Se o filho está matando as aulas, não caberia à mãe procurar saber O QUE motivou a ação da criança? Pois o NORMAL, para uma criança que está aprendendo e se relacionando muito bem com colegas e professores, é GOSTAR da escola. Sim, as crianças gostam de aprender e conviver com colegas e professores na escola. Se elas não gostam e desejam a todo custo evitar a escola, matando aulas às escondidas, isto é péssimo sinal. Pode indicar que elas provavelmente não estão aprendendo, não conseguem acompanhar os conteúdos, que talvez estejam sofrendo bullyng ou discriminação (seja por parte de colegas ou até dos professores), ou estejam sob a influência (talvez até mesmo coação) de pessoas mal intencionadas. O que seria mais efetivo neste caso: BATER na criança ou ir até a escola e conversar com a equipe pedagógica, para saber o que está acontecendo de errado? Será que BATER na criança dará a ela, automaticamente, “vontade” de frequentar as aulas, ou é apenas uma coerção covarde do adulto para se livrar do problema, e ineficaz no sentido de AJUDAR a criança?
3.    Do mesmo modo que a mãe, o policial não se preocupou em averiguar o que motivava a ação da criança. Apenas perguntou ao garoto quantas vezes a mãe lhe bateu, se foi apenas com o cinto, e em qual lugar do corpo. O menino responde que ela bateu “apenas” três vezes, “apenas” com o cinto e “apenas” no bumbum. Como o policial acha tudo isso “pouco” (pelo visto a criança só pode queixar-se quando ferida a ponto de ir direto pro hospital, no mais é “tapinha educativo”) então ele decide... AMEDRONTAR E COAGIR o menino, dizendo que da próxima vez ele mesmo dará uma surra nele. Realmente, pelo visto o policial estava super preparado para lidar com a situação... só que NÃO! Pois agiu de forma nada profissional ao incutir seus valores PESSOAIS em sua conduta.
4.    Se você nunca viu uma criança marcada por levar surra de cinto, estejam certos que JÁ VIMOS. Não é bonito de se ver. E sim, na maioria dos casos, se você perguntar à criança, ela dirá que “mereceu” a surra, pois é isto que toda a sociedade lhe ensinou desde que ela era um bebê e aprendeu a engatinhar, começou a explorar o ambiente, e a levar “palmadinhas educativas” pra aprender a não mexer onde não devia. A violência doméstica contra a criança vai numa escalada: o adulto lhe dá um tapinha para coibir um comportamento. Com o tempo apenas isso não lhe parece eficaz para cumprir a meta de cessar imediatamente com o comportamento indesejado da criança. Então ele começa a dar dois tapinhas, três... em breve começará a usar objetos para bater na criança, tais como cintos, chinelos, varas. Desse ponto para perder o autocontrole, e ferir gravemente a criança, ou talvez levá-la à morte, pode ser uma curta distância, conforme pode-se observar no álbum de LUTO que mantemos aqui em nossa página.
5.    Quase todo mundo a favor de “palmadinhas” também se diz “contra espancamentos”. Mas a repercussão desse vídeo deixou muito claro que as pessoas “pró-palmadinhas” LEGITIMARAM o uso de formas mais graves de agressão, APOIANDO o uso do CINTO para bater em criança. Ou seja, esse vídeo deixa claro que o discurso de que se bate como “último recurso” ou que só se dá “uma palmadinha” é uma furada. No caso do filho que falta às aulas, a mãe não parece ter tomado nenhuma providência antes de bater com cinto, tais como procurar dialogar com a escola e com a própria criança, a fim de verificar como e por que ela estava faltando às aulas. Bater parece ter sido o PRIMEIRO recurso, e não o “último”. Bater não resolve nada, além de descarregar a raiva do adulto e dar a ele mesmo a falsa sensação de que “tomou providencia” em relação ao comportamento inadequado da criança.
6.    A mensagem que o policial dá ao menino ao dizer-lhe "nunca denuncie sua mãe!" é perigosa: se sua mãe te bater, não denuncie, caso contrário, eu bato em você. Alguém viu alguma coerência nisso? Esse é o retrato da cultura punitiva: os pais batem para educar, a polícia bate para punir, o filho denuncia para ser ouvido e, perdendo a capacidade de ser ouvido, só lhe resta a violência. Isso é MUITO GRAVE, pois sabemos que, infelizmente, no Brasil, são cerca de 500 mil casos de espancamentos de crianças por ano [*], e vale lembrar também que, na maioria dos casos, os agressores são pessoas da própria família. Todas as pessoas que abusam de crianças, seja com espancamentos, exploração econômica ou abuso sexual, contam exatamente com o SILÊNCIO das vítimas, e com o DESCASO com que a sociedade e as autoridades tratam as denúncias feitas pelos pequenos.
7.    Ao invés de ameaçar e amedrontar as crianças que têm coragem para denunciar as agressões sofridas, deveríamos educá-las sobre como usar os serviços públicos para a sua proteção, tais como o “Disque 100”, o Conselho Tutelar, o Ministério Público e a própria polícia. Deveríamos também incentivá-las a procurar ajuda de adultos confiáveis que estejam à sua volta, tais como professores, profissionais de saúde e policiais. Bem como exigir que o Estado treine adequadamente estes profissionais para acolher as denúncias das crianças e tomar as devidas providências, e não agirem como o policial retratado caricaturalmente no vídeo.
8.    Uma criança que chega ao ponto de chamar os policiais para ser defendida dos próprios pais só o faz porque os pais já erraram DEMAIS, e precisou encontrar uma coragem tremenda para fazê-lo! Mas, na realidade brasileira, é raro que isso aconteça, pois é muito mais comum que a criança agredida sequer saiba que tem o DIREITO de ser tratada com dignidade, sem quaisquer agressões, e quem existem órgãos de proteção à sua disposição. Mesmo quando a criança chega a procurar ajuda e a fazer uma denúncia, nem sempre é ouvida por quem deveria fazê-lo. Haja vista o caso do menino Bernardo, que deu seu nome à nova lei que protege as nossas crianças. Seu pedido ao Ministério Público, para não ficar mais sob a guarda do pai, não foi acolhido, pois o juiz considerou que ele não sofria agressões “graves”. E todos sabemos como infelizmente terminou esta história: o menino foi cruelmente assassinado. Nossa sociedade precisa mudar, e começar a dar ouvidos e proteção a quem ainda não tem o poder de se defender sozinho. Precisamos dar VEZ E VOZ às nossas crianças. Quantos “Bernardos” a mais estamos esperando, para mudarmos a nossa cultura e atitude?
Autoria do texto: coletivo do grupo "Crescer Sem Violência"
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[*] Para saber mais sobre esses dados, acesse o “Mapa da violência 2012: crianças e adolescente no Brasil”.

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