(por Dr. Antônio Marcio Junqueira Lisboa) [*]
“Paulinho não mexa na tomada! Paulinho, não suba na cadeira! Quantas vezes já lhe disse para não beber água na torneira! Meu filho, você não pode continuar comendo a pasta de dente! Não toque na minha jarra! Não brinque com o relógio do seu pai! Não suba mais na cadeira, que você vai acabar se machucando. Não agarre o rabo do cachorro! Sabe que você já matou quatro peixes do aquário?”
“Paulinho não mexa na tomada! Paulinho, não suba na cadeira! Quantas vezes já lhe disse para não beber água na torneira! Meu filho, você não pode continuar comendo a pasta de dente! Não toque na minha jarra! Não brinque com o relógio do seu pai! Não suba mais na cadeira, que você vai acabar se machucando. Não agarre o rabo do cachorro! Sabe que você já matou quatro peixes do aquário?”
Paulinho tem dois anos e a mãe já
não sabe o que fazer com ele. É teimoso e desobediente. E eu diria: como quase
todos os da sua idade. Sem dúvida, é difícil e cansativo controlar uma criança
para que não mexa onde não deve e principalmente não cause danos ou se exponha
a riscos de acidentes. Muitos desses comportamentos, por serem perigosos, devem
ser controlados pelos pais.
As restrições surgem geralmente
quando a criança começa a andar. Ela se sente independente e passa a explorar o
ambiente. A partir dos dezoito meses até os três anos, esse sentido de
independência aumenta. Ela quer ser totalmente livre. Nas suas andanças,
observa e investiga. Caminha para todo lado, mexe em tudo, sua mãozinha quer
pegar o que estiver ao seu alcance. Cria situações de risco para si própria e
para os objetos e animais que estão dentro
de seu raio de ação. Pega baratas, formigas, sapos, panelas quentes, copos de
fino cristal, relógios do século passado. Ao pegar o copo de cristal, ouve um
sonoro “não!”. O que teria acontecido?, pensa ela. Mamãe pega e ninguém se
importa. Papai também. Por que eu não posso pegar? Como não sabe a diferença
entre o copo de cristal e os outros objetos, vai pegá-lo novamente. E ouve
outro “não” acompanhado, agora, de um tapinha na mão.
Estará desobedecendo? Não, está se
exercitando, buscando seu caminho para crescer. Ela só descobre que algo não
vai bem quando seus pais se zangam ou se aborrecem com algo que fez. Entre um e
três anos, as crianças estão numa fase de desenvolvimento em que não são nada
razoáveis. São geralmente negativistas, querem ter seus desejos atendidos
rapidamente e quando não são, têm um temperamento explosivo, características que
não são bem aceitas ou compreendidas pelos adultos. Não estão em idade de
entender o que é bom ou mau, o que agrada ou desagrada. Por isso, são muitas
vezes rotuladas de boas ou más, o que não é bom, pois, como já dissemos, quase
todas são desobedientes. E, quando não são, provavelmente é porque foram
submetidas a disciplinas rigorosas, em que o castigo foi usado abusivamente – o
que poderá ter alterado irremediavelmente sua personalidade.
A desobediência, tida pelos pais
como algo indesejável, irritante e desagradável, por colocar em xeque sua
autoridade, não é um elemento prejudicial ao desenvolvimento do caráter e da
personalidade infantil. A criança pequena, boazinha, obediente geralmente já
desistiu de lutar. Foi vencida pelos adultos, e frequentemente executa suas
tarefas somente quando elas são claramente definidas e esboçadas. É
subserviente; aceita, sem discutir, qualquer sugestão ou comando. São adoradas
pelos professores e pelos adultos que as utilizam como modelos de crianças
bem-comportadas, bem-educadas, polidas, exemplo a ser seguido pelas outras.
Essas crianças nem sempre são felizes. Muitas vezes, não são aceitas por seus
colegas, o que faz com que procurem agradar e viver mais entre os adultos.
Infelizmente, essa passividade pode se estender por toda a vida.
Assim, se nossos filhos forem
travessos, não fiquemos tristes. Compreendamos que eles estão numa idade em que
a desobediência deve ser aceita por fazer parte de seu desenvolvimento normal.
Seu filho não está querendo transformar sua vida num inferno. Está testando
seus limites para saber o que pode ou não fazer. Cumpre aos pais estabelecer
esses limites, mostrando-lhe os inconvenientes ou os riscos de determinadas
atitudes, para que elas não sejam repetidas. Não se esqueçam de que Sócrates,
Gandhi, Galileu, Freud e o próprio Jesus Cristo foram grandes desobedientes aos
valores de sua época.
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[*] O presente texto foi extraído do livro “Seu filho no
dia a dia: dicas de um pediatra experiente”, editora Record. O livro é uma
coletânea dos textos que O Dr. Lisboa publicava na sua coluna no jornal no
“Correio Brasiliense”, na década de 1990. O livro
tem textos com dicas sobre todos os tipos de dúvidas mais comuns dos pais, ao
educarem e cuidarem dos seus filhos: alimentação, desempenho escolar,
comportamento infantil (desde sexualidade, até agressividade) e etc.
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