SEJAM BEM VINDAS, MAMÃES!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A desobediência é normal?

(por Dr. Antônio Marcio Junqueira Lisboa) [*]
            “Paulinho não mexa na tomada! Paulinho, não suba na cadeira! Quantas vezes já lhe disse para não beber água na torneira! Meu filho, você não pode continuar comendo a pasta de dente! Não toque na minha jarra! Não brinque com o relógio do seu pai! Não suba mais na cadeira, que você vai acabar se machucando. Não agarre o rabo do cachorro! Sabe que você já matou quatro peixes do aquário?”
            Paulinho tem dois anos e a mãe já não sabe o que fazer com ele. É teimoso e desobediente. E eu diria: como quase todos os da sua idade. Sem dúvida, é difícil e cansativo controlar uma criança para que não mexa onde não deve e principalmente não cause danos ou se exponha a riscos de acidentes. Muitos desses comportamentos, por serem perigosos, devem ser controlados pelos pais.
            As restrições surgem geralmente quando a criança começa a andar. Ela se sente independente e passa a explorar o ambiente. A partir dos dezoito meses até os três anos, esse sentido de independência aumenta. Ela quer ser totalmente livre. Nas suas andanças, observa e investiga. Caminha para todo lado, mexe em tudo, sua mãozinha quer pegar o que estiver ao seu alcance. Cria situações de risco para si própria e para os objetos e animais que estão  dentro de seu raio de ação. Pega baratas, formigas, sapos, panelas quentes, copos de fino cristal, relógios do século passado. Ao pegar o copo de cristal, ouve um sonoro “não!”. O que teria acontecido?, pensa ela. Mamãe pega e ninguém se importa. Papai também. Por que eu não posso pegar? Como não sabe a diferença entre o copo de cristal e os outros objetos, vai pegá-lo novamente. E ouve outro “não” acompanhado, agora, de um tapinha na mão.
            Estará desobedecendo? Não, está se exercitando, buscando seu caminho para crescer. Ela só descobre que algo não vai bem quando seus pais se zangam ou se aborrecem com algo que fez. Entre um e três anos, as crianças estão numa fase de desenvolvimento em que não são nada razoáveis. São geralmente negativistas, querem ter seus desejos atendidos rapidamente e quando não são, têm um temperamento explosivo, características que não são bem aceitas ou compreendidas pelos adultos. Não estão em idade de entender o que é bom ou mau, o que agrada ou desagrada. Por isso, são muitas vezes rotuladas de boas ou más, o que não é bom, pois, como já dissemos, quase todas são desobedientes. E, quando não são, provavelmente é porque foram submetidas a disciplinas rigorosas, em que o castigo foi usado abusivamente – o que poderá ter alterado irremediavelmente sua personalidade.
            A desobediência, tida pelos pais como algo indesejável, irritante e desagradável, por colocar em xeque sua autoridade, não é um elemento prejudicial ao desenvolvimento do caráter e da personalidade infantil. A criança pequena, boazinha, obediente geralmente já desistiu de lutar. Foi vencida pelos adultos, e frequentemente executa suas tarefas somente quando elas são claramente definidas e esboçadas. É subserviente; aceita, sem discutir, qualquer sugestão ou comando. São adoradas pelos professores e pelos adultos que as utilizam como modelos de crianças bem-comportadas, bem-educadas, polidas, exemplo a ser seguido pelas outras. Essas crianças nem sempre são felizes. Muitas vezes, não são aceitas por seus colegas, o que faz com que procurem agradar e viver mais entre os adultos. Infelizmente, essa passividade pode se estender por toda a vida.
            Assim, se nossos filhos forem travessos, não fiquemos tristes. Compreendamos que eles estão numa idade em que a desobediência deve ser aceita por fazer parte de seu desenvolvimento normal. Seu filho não está querendo transformar sua vida num inferno. Está testando seus limites para saber o que pode ou não fazer. Cumpre aos pais estabelecer esses limites, mostrando-lhe os inconvenientes ou os riscos de determinadas atitudes, para que elas não sejam repetidas. Não se esqueçam de que Sócrates, Gandhi, Galileu, Freud e o próprio Jesus Cristo foram grandes desobedientes aos valores de sua época.
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[*] O presente texto foi extraído do livro “Seu filho no dia a dia: dicas de um pediatra experiente”, editora Record. O livro é uma coletânea dos textos que O Dr. Lisboa publicava na sua coluna no jornal no “Correio Brasiliense”, na década de 1990. O livro tem textos com dicas sobre todos os tipos de dúvidas mais comuns dos pais, ao educarem e cuidarem dos seus filhos: alimentação, desempenho escolar, comportamento infantil (desde sexualidade, até agressividade) e etc.


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