(por Dr. Antônio Marcio Junqueira Lisboa) [*]
A sociedade se interroga querendo saber o porquê da violência
contra um pobre índio, queimado por um grupo de adolescentes de classe média
alta. Infelizmente, tal como soubemos pelos jornais, queimar mendigos por
brincadeira ou perversidade é uma ocorrência relativamente comum, em algumas
capitais. Há poucos dias três rapazes foram entregues pela polícia aos
populares, que, após tentarem linchá-los, acabaram queimando-os vivos. Em São
Paulo, Rio, Porto Alegre pais são assassinados pelos filhos, sem nenhuma razão
aparente ou atrás de herança. Adolescentes, sem habilitação, em carros
importados, matam pessoas, sob a vista grossa dos pais, que se desculpam
dizendo não conseguir controla-los.
Em todas as funções ou profissões, encontramos marginais:
deputados que roubam, vendem-se ou defendem privilégios inaceitáveis; juízes
venais; médicos cobrando “por fora”; sacerdotes abusando de crianças; advogados
desonestos; policiais que ficam milionários à custa de achaques e mutretas;
policiais mancomunados com delinquentes que ameaçam a população e matam por
motivos fúteis; militares de altas patentes que enriquecem à custa de
licitações fraudulentas; políticos que entram para o governo pobre e saem riquíssimos;
pessoas de alta sociedade envolvidas com tráfico de drogas; cidadãos ditos
respeitáveis comprando e vendendo meninas, estimulando a prostituição;
funcionários usando seus cargos para enriquecer ilicitamente.
Entretanto, o pior de tudo é a violência encoberta, aquela que
ocorre no lar, onde se contatam espancamentos, maus tratos, estupros, sem
punição. A doméstica, que representa quase metade dos casos de violência sob
suas diferentes apresentações, tem enorme importância em sua gênese e perpetuação.
Os fatos são registrados pela mídia de todos os países, pois a
violência é universal. Infelizmente, está sendo combatida de forma errada. As
ações advogadas, que chamamos de curativas, são dirigidas ao controle dos
fatores predisponentes, ou mesmo dos desencadeantes, nunca contra os
determinantes, mais importantes, e que deveriam ser realmente combatidos.
Há mais de dez anos, em todos os inúmeros fóruns de que tenho
participado, tenho denunciado esse erro de direção, sem conseguir sensibilizar
as autoridades que continuam a acreditar que, melhorando a situação
socioeconômica, acabando com a miséria, o racismo, a impunidade, o
narcotráfico, treinando policiais, construindo prisões e centros de
recuperação, matando marginais, denunciando agressores, infratores,
delinquentes, criando conselhos e delegacias especializadas, iremos conseguir
controlar ou diminuir a violência. Ledo engano. São medidas paliativas. Afinal,
tudo isso vem sendo tentado há quase um século. E os resultados? O clima de
terror cresce assustadoramente. Assaltos, sequestros, homicídios, estupros,
roubos fazem parte do dia a dia. Sobressaltada, trancada em casa – algumas são
verdadeiras fortalezas – sem poder sair à noite, a população inerme não sabe
mais o que fazer. Infelizmente, nem os órgãos de segurança, que confessam
abertamente sua impotência em controlar a situação.
A semente da violência é plantada na criança antes dos seis anos. Franco Vaz já disse isso em 1914. Existe uma fórmula segura para
se criar delinquentes, marginais, criminosos, corruptos. Basta atuar sobre a
criança: não lhe dê atenção, ignore-a, humilhe-a e provoque-a; grite um bocado.
Mostre sua desaprovação por tudo o que ela fizer; encoraje-a a brigar com os
irmãos, os colegas e amigos; brigue bastante, principalmente no sentido físico,
com seu parceiro conjugal, na frente das crianças; ameace, grite e bata
bastante nela; engane-a, minta-lhe. Seja também permissivo. Ensine-lhe que o
mundo é dos espertos, vangloriando-se junto a eles dos atos de que deveria se
envergonhar.
E se isso não resolver, coloque-a em frente à televisão e dê-lhe
carta branca para assistir a todos os espetáculos violentos possíveis. E também
às novelas, em que a desestruturação familiar é mostrada como um ganho social,
e as safadezas, as imoralidades e os atos de atentado ao pudor são mostrados
como fatos moralmente aceitáveis. Essas medidas são infalíveis para plantar na
criança, seja ela pobre, rica, branca, negra, amarela, brasileira, americana,
inglesa, japonesa, a semente da violência.
Daí pra frente, bastará encontrar um terreno fértil para que ela
cresça, germine e dê os seus frutos – a truculência, os furtos, os assaltos, os
sequestros, as torturas, os estupros, a corrupção, a agiotagem.
Até os seis anos a criança não é violenta. Nosso grande trabalho será o de combater os fatores responsáveis
pela implantação dessa semente. Sua existência, ou não, explica por que um
motorista leva uma fechada e não se importa, e outro desce do carro, ameaça,
briga e até mata. Ou por que um taxista encontra uma pasta com dinheiro,
procura o dono e a devolve; e outro, mesmo sabendo quem é o dono, não a devolve
e ainda faz uma festa em comemoração.
Toda ação deverá ser dirigida no sentido de proteger a criança dos
fatores que possam da normalidade no início de estruturação de sua
personalidade, do seu caráter, da sua moral.
Ou seja, antes dos dois anos. Um dos mais importantes deles é a privação
materna. Nenhuma criança deveria ficar um dia sequer além do necessário para se
conseguir uma substituta, o que implicaria profundas mudanças no sistema de
adoções.
Como esses exemplos, inúmeros outros conhecidos e infelizmente
desconsiderados em sua importância pelos especialistas no combate à violência.
A tarefa será árdua, mas, a meu ver, menos do que acabar com a impunidade e,
além disso, muito mais barata. Por que, em vez de continuarmos tentando acabar,
sem resultado, com os delinquentes, não passamos a trabalhar no sentido de
formar bons cidadãos?
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[*] O presente texto foi extraído do livro “Seu filho no
dia a dia: dicas de um pediatra experiente”, editora Record. O livro é uma
coletânea dos textos que O Dr. Lisboa publicava na sua coluna no jornal no
“Correio Brasiliense”, na década de 1990. O livro tem
textos com dicas sobre todos os tipos de dúvidas mais comuns dos pais, ao
educarem e cuidarem dos seus filhos: alimentação, desempenho escolar,
comportamento infantil (desde sexualidade, até agressividade) e etc. Se tem
alguma coisa na qual o Dr. Lisboa é radical, é ser radicalmente CONTRA bater em
crianças! Eu tive a felicidade e a honra de ter sido paciente dele quando era
criança. AMODORO!
Taicy não sabia q tinha blog amore!
ResponderExcluirParabéns por distribuir tantas boas informações.
Bjus