ALEITAMENTO MATERNO NÃO É
“MODINHA”!
Cara Mariana
Reade [1], aqui fala uma mãe que precisou dar complemento de leite artificial
(LA) pro filho. Precisou fazê-lo porque, aos 16 anos de idade, cometeu a
suprema burrice de se submeter a uma mamoplastia redutora nos seus seios. E
depois, aos 33 anos de idade, como
consequência, não pôde amamentar o seu bebê. Se não existisse LA, meu filho
teria morrido de fome, pois eu não tinha "pouco" leite, eu
praticamente não tinha leite nenhum, devido à tal cirurgia, que mutilou minhas
mamas para sempre.
Sim que bom q
existe LA! Se ele não existisse, crianças como o meu filho, crianças cujas mães
tivessem falecido; ou cujas mães não pudessem amamentar por motivos graves de
saúde (mães soropositivas, por ex) ou até mesmo pequenos bebês adotados (é
possível uma mãe adotiva amamentar através de relactação com sonda, mas nem
todas conseguem)... bom, sem o LA, talvez esses bebês que citei morressem de
fome.
Mas vale
lembrar que esses casos são a exceção, não são de forma alguma a regra! A
imensa maioria das mães (salvo, talvez, casos tão graves como os que citei) não
apenas pode, como DEVE fazer aleitamento materno exclusivo até no mínimo os 6
meses de vida do seu rebento. Isso não é "achismo", nem muito menos
"modinha". É recomendação cientificamente embasada, feita pela
Organização Mundial de Saúde. Curiosamente, a OMS, ou nenhum outro órgão
científico sério, aponta o aleitamento materno como “moda”. Mas a revista para
a qual você escreve, assim intitulou o aleitamento materno... e na página ao
lado, publicou um anúncio de LA! Mera “coincidência”, com certeza!
Se o LA
existe, ele deve ser usado nos raros e poucos casos das crianças que realmente
precisam muito dele, e não como complemento dado a todos os bebês apenas porque
eles choram. O choro é a forma de comunicação natural do bebê. Na verdade, é a
única forma de comunicação de que ele dispõe. Por tanto, bebês choram como
forma de comunicar todas as necessidades que sentem: sono, fome, cansaço etc. E,
sobretudo, de comunicar o desemparo [2] que sentem, visto que os bebês têm uma
enorme necessidade de contato físico, mas a sociedade ocidental, em oposição ao
que a evolução natural tem feito ao longo de milhares de anos, recentemente
decidiu que isso não é uma necessidade, deu ao desamparo o nome de “manha”, e
decretou que os bebês devem ser mantidos longe do colo de suas mães, lugar ao
qual pertenceram por séculos, a fim de não ficarem “mimados”.
Uma mãe que
interpreta todo e qualquer choro do bebê como sendo "fome", ou
"cólica", está muito mal informada, devo dizer. E ela não precisa de
conselhos estúpidos tais como dar "complemento" de LA apenas para
fazer o bebê parar de chorar. Ela precisa de conselhos que a façam compreender
a natureza do comportamento do bebê, que a estimulem a oferecer colo, carinho,
amor, peito e LEITE MATERNO em livre demanda, atendendo aos pedidos do bebê. Se
a mãe e o bebê encontrarem dificuldades reais na amamentação (e elas são
inúmeras, desde rachaduras e fissuras no seio, pega incorreta do bebê, mastite
e diversas outras possíveis) também não devem ser orientados a simplesmente dar
complemento de LA. Praticamente todos os problemas e dificuldade iniciais no
aleitamento materno podem ser resolvidos com medidas simples, que a mãe poderá
aprender se procurar ajuda num Banco de Leite Humano. A rede de BLH do Brasil é
uma das maiores (se não a maior) do mundo, e lá qualquer mãe, que esteja
enfrentando qualquer tipo de dificuldade com a amamentação, poderá obter ajuda
num serviço público, gratuito, especializado, e de altíssima qualidade. Mas
isso a revista para a qual você escreve também não divulgou. Será, talvez,
porque necessita dos anúncios pagos pelos fabricantes de LA?
Enfim,
Mariana Reade , se a sua coluna se propõe a dar voz ao bebê (o que aliás é uma proposta
louvável, visto que infância, em sua raiz, significa “sem voz”), talvez você
tenha se equivocado ao interpretar o choro, essa poderosa VOZ do bebê. Um recém-nascido
que chora não está pedindo uma mamadeira de LA. Se ele pudesse falar com
palavras, além de falar através do seu choro e de toda a sua expressão
corporal, penso que talvez ele lhe dissesse o seguinte:
“Por
favor, acolha-me com amor! Eu fui feito para os seus braços, tome-me neles!
Deixe que eu faça do seu colo o meu ninho. Deixe que a minha pele sinta a sua
pele. Deixe que o meu olhar encontre o seu olhar. Deixe que as minhas mãos
toquem a sua mão. Deixe que os meus lábios recebam o seu leite, como a mais
profunda prova de amor, mamãe! Quando eu crescer, não vou me lembrar
conscientemente desses momentos que passamos juntos, mas você, mamãe, se
lembrará de cada um deles. Cada noite acordada, dando-me de mamar, será a sua
mais preciosa lembrança. E, embora eu não tenha esta memória na minha
consciência, esta prova de amor que você me deu, tão gratuitamente, ecoará para
sempre na minha capacidade de amar a mim mesmo e ao próximo.”
[1] A jornalista citada escreveu
uma coluna na revista “Pais e Filhos”, em que dizia que no Brasil há uma “modinha
de amamentar”. A coluna foi publicada em novembro/2012 no endereço eletrônico http://revistapaisefilhos.uol.com.br/blogs-e-colunistas/bebe-blogando/ha-um-ano-atras-leite-em-po?fb_comment_id=fbc_730315286996102_7579107_730427123651585#f24e6ff204.
Porém, assim que choveram textos de internautas criticando duramente (e com
toda a razão) a coluna, a revista retirou-o de circulação e publicou uma
“errata” (http://revistapaisefilhos.uol.com.br/na-midia/erramos).
[2] Não uso aqui a palavra
“desamparo” por mero acaso. Desde a sua fundação, a psicanálise nos esclarece
sobre o “desamparo inicial do lactente”.