SEJAM BEM VINDAS, MAMÃES!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O QUARTO DO FILHO QUE EU QUERO TER: Pensando sobre o quarto do bebê e das crianças pequenas.

Quando estava grávida preparei o enxoval do meu filho, e também o quartinho do bebê, “conforme manda o figurino”. Ou seja, um quarto tradicional, como todo mundo conhece: cômoda, berço, guarda roupas, borda de papel de parede e nichos na parede com enfeites. As amigas que já tinham filhos me diziam que eu não usaria nada daquilo, mas eu não dava importância, atribuía à implicância com as mães de primeira viagem. Não fui do tipo que gastou os tubos, mas fiz o tal quartinho com “tudo o que o bebê tinha direito” (ou que eu achava que eu tinha direito).
Não vou dizer que o quarto do meu filho foi de todo inútil (risos), mas o fato é que o bebê sempre passou muito mais tempo no meu quarto, no bercinho móvel de camping instalado ao lado da minha cama. Assim que ele começou a se locomover (primeiro engatinhando, depois andando, como todas as crianças do mundo) já “usava” um pouco mais o seu quarto, para brincar no chão. Foi então que ficou óbvio para mim o que eu não havia percebido antes: a inutilidade de fazer para o bebê um quarto que é moldado para o tamanho dos adultos. Por quê todos os brinquedos devem ficar em nichos no alto, se quem vai brincar com ele não tem nem ao menos um metro de altura? Por quê um espelho colocado num lugar que o bebê não alcança para ver a si mesmo? Por quê quadros ou outros objetos de decoração colocados fora do alcance da vista do bebê? Por quê um berço de onde ele não pode entrar e sair sozinho? [1]
Então comecei a fazer modificações no quarto dele, tornando-o cada vez mais acessível para o meu filho. Comecei tirando a grade lateral do berço e rebaixando o estrado o máximo possível, afinal havia comprado um berço que permitia essas modificações. Depois tirei os brinquedos dos nichos na parede, e coloquei em estantes baixinhas no chão, pra que ele pudesse brincar à vontade, sem depender de ninguém que colocasse os brinquedos ao seu alcance. Nessa época meu filho tinha por volta de um ano e meio de idade. Essas pequenas mudanças fizeram tanto sucesso com o meu filho, lhe proporcionando muito mais independência nas brincadeiras, que aos 2 anos ele já tinha um quarto novo, totalmente acessível, e àquela altura eu já havia me desfeito de todos os móveis de bebê e comprado móveis novos para o quarto dele.
Ou seja... eu devia ter ouvido o conselho das amigas que já tinham filhos, de que tudo aquilo seria usado por muito pouco tempo! Quem nunca mordeu a língua depois de ter filhos, que atire a primeira pedra! (Mais risos.) É por motivos como esse que hoje aconselho às amigas que estão gestantes: NÃO faça um quarto para o bebê. Pelo contrário, faça adaptações no SEU quarto para acomodar o bebê junto a você com conforto para todos. Invista num berço móvel (que aliás, também é utilíssimo em viagens) ou num bercinho desses que você pode acoplar à sua cama, numa boa poltrona para amamentar com conforto e aproveitar pra descansar (nesse quesito adoro cadeiras de balanço). E de resto, um bebê não preciso de mais do que isto. [2]
Quando ele começar a engatinhar, aí sim você pode começar a pensar em adaptações de locais na casa onde ele possa se exercitar e explorar o mundo ao redor com conforto e segurança. E quando ele já estiver andando, daí sim talvez valha a pena começar a pensar num quarto para ele.
Quando enfim chegar esta hora, aí vão algumas das minhas dicas para montar um quarto legal para o seu filho. Foram coisas que fui pensando à medida que as fazia, com base nas necessidades que observava no meu filho, e também um pouco baseada nos meus 14 anos de sala de aula com educação infantil (algumas dessas coisas eu já fazia em sala de aula). E, para minha surpresa, depois descobri grupos e comunidades de mães baseadas no Método Montessori que adotavam princípios muito semelhantes. Não segui o Método Montessori, ou método algum, para montar o quarto do meu filho ou na sua educação. Mas li diversas publicações sobre o assunto, especialmente as do blog Lar Montessori (http://larmontessori.com/), que são uma grande fonte de informação, reflexão e inspiração para quem tem filhos.
E agora vamos às dicas práticas!
1)    Deixe tudo ao alcance dos olhos e das mãos
Como eu disse antes, geralmente colocamos as coisas no quarto das crianças em nichos e prateleiras que são dispostos... na altura dos adultos! Certa vez vi uma revista de decoração que dava a “linda” ideia de fazer uma prateleira para guardar os brinquedos das crianças no RODA TETO do quarto, para “aproveitar espaço”. Fiquei imaginando se a intenção dos brinquedos é apenas decorativa, ou se ele devem ser de fato usados pelas crianças. O que seria mais importante, a decoração ou a brincadeira?
Eu não tenho dúvida de que me preocupo muito mais com a brincadeira! Compro brinquedos pro meu filho não pra que eles sejam usados como decoração, e fiquem juntando poeira lá no alto, mas sim para que ele brinque à vontade, pois “brincar é o trabalho da criança. Através do brinquedo, as crianças crescem, aprendem e SE CURAM.” (BRAZELTON & SPARROW, p. 145).
Ás vezes os adultos também colocam as coisas no alto também pelo motivo de que os objetos podem se quebrar ou estragar. Mas o quarto da criança não é uma loja de porcelanas, certo? Portanto, se um objeto pode se quebrar ou desmontar com facilidade, a ponto de oferecer risco para a criança... ele NÃO deveria estar por lá!
Em outros locais da casa, como banheiro, cozinha, área de serviço, podem sim haver objetos perigosos, que os adultos manipulam no dia a dia, mas potencialmente arriscados para uma criança pequena, que devem ficar fora de seu alcance e, de preferência, trancados com travas de segurança apropriadas.
Mas o quarto da criança deve ser seu espaço privilegiado de brincar, que ela pode explorar livremente, e não deve ter nada que lhe ofereça perigo. Se o objeto é perigoso pro seu filho, tire-o lá, simples assim. Se for um brinquedo que ele ainda não tem idade pra usar, é melhor guardá-lo e esperar que tenha idade apropriada pra enfim colocá-lo à disposição.
Outro motivo pelo qual muitas vezes brinquedos são guardados no alto, longe das crianças, é o temor que os adultos têm da “bagunça”. Acham que a criança vai espalhar tudo por todos os cantos, e nunca irá organizá-los. Isso pode ser bem verdade quando o ambiente NÃO é apropriado para a criança. Por exemplo, se os brinquedos estão guardados no tal “roda teto”, ou em prateleiras altas, a criança não irá mesmo guardá-los, já que não alcança o local. Ou se o ambiente está entulhado, tão cheio de coisas e desorganizado, que a criança não sabe onde deve colocar cada coisa de volta depois de brincar. Nesse ponto, vale lembrar duas coisas:
1º) A criança não aprende sozinha a guardar as coisas. Não adianta dizer ao seu filho “depois de brincar você precisa guardar”, se você não estiver junto com ele pra mostrar onde e como fazer isso. Por isso, brinque junto com o seu filho (melhor oportunidade de formar um vínculo profundo e conhecê-lo muito bem que você pode ter) e depois guarde as coisas junto com ele também. Guardar os brinquedos não precisa ser uma coisa chata, pode ser até bem divertida se vocês fizerem isso junto. Assim a criança aprende com seu exemplo, e vê essa atividade com prazer.
2º) As crianças não precisam de dezenas de brinquedos à disposição todos os dias para brincarem. O que nunca é usado pela criança na brincadeira não é brinquedo, é entulho. Portanto só atrapalha como excesso de estímulo, e provoca desorganização. Observe bem se o seu filho não tem brinquedos em excesso, o que é mais do que comum hoje em dia. Se ele tem brinquedos que usa pouco, separe alguns deles, e faça rodízio, alternando os brinquedos que ficam expostos no quarto. Isso dá a sensação de que sempre tem “novidade” e estimula bastante a brincadeira. Se ele tem brinquedos que NUNCA usa, é sinal de que talvez sejam muito mais úteis para outra criança. Estimule seu filho a doar e compartilhar!
Aqui em casa, para deixar tudo ao alcance do meu filho em seu quarto, optei por móveis baixinhos e empilháveis. Especialmente por prateleiras plásticas, que são muito baratas, leves (sem risco de cair por cima da criança e machucá-la) e fáceis de limpar. Você as encontra em lojas de utilidade doméstica, decoração/reforma e até supermercados. Outra grande vantagem é que elas são empilháveis, você pode montar estantes com 2 até 6 prateleiras. Mas fica a dica: quanto mais à altura das mãos e dos olhos da criança, melhor. Digo por experiência própria, por haver testado de todas as formas. Com as estantes organizadas com apenas duas prateleiras percebi que meu filho tinha muito mais autonomia para pegar/guardar o que desejava, e com isso ela brincava e divertia MUITO mais!
Estantes plástica desmontáveis agrupam os brinquedos por categoria:
pistas e carrinhos da Hot Wheels e jogos de tabuleiro estão todos juntos, por exemplo.

2)    Organize e categorize os objetos
Quando os brinquedos estão guardados de modo desorganizado, é muito pouco provável que a criança brinque sem produzir muita bagunça. Por exemplo, se estiverem todos enfiados numa caixa ou cesto gigante, ela terá de espalhar todos os itens para encontrar o que deseja, e em poucos segundos produzirá um mar de brinquedos espalhados pelo chão. (Levante a mão se já viu esta cena! =D ). Do mesmo modo, ao guardar tudo enfiado numa caixa gigante ela aprende que “guardar” objetos significa apenas enfiá-los num lugar fora de suas vistas.
As crianças pequenas ainda estão desenvolvendo suas habilidades de categorizar as coisas. Por isso fazem tantas perguntas, elas querem entender como o mundo funciona. E uma das coisas que as ajuda a fazerem isso é terem um ambiente organizado à sua volta. Então organizar o quarto e as áreas de brincadeiras de um modo funcional e organizado não é bom apenas pra pôr ordem em casa... mas também pra ajudar as crianças a ordenarem todo o mundo à sua volta! Não é fantástico? Aqui vão dicas práticas para fazer isso:
a)    Separe os brinquedos por tipos e categorias. Deixe os apetrechos necessários para cada brincadeira juntos. Por exemplo, deixe as panelinhas e as comidinhas de plástico juntas; ou os carrinhos perto das pistas de HotWheels.
b)    Identifique os locais apropriados para guardar cada coisa. Assim a criança sabe tanto aonde pegar um item que ela deseja usar, quanto em que lugar deve guardá-lo depois de brincar. Hoje em dia existem diversos potes plásticos já decorados com tema infantis, que você encontra em lojas de utilidade doméstica, decoração/reforma e até supermercados. Você pode usar cada pote para guardar as coisas de acordo com a estampa: no pote do Homem Aranha coloque bonecos de super heróis, no pote do Relâmpago McQueen coloque carrinhos, no pote em forma de legumes panelinhas e comidinhas. Outra opção é usar potes transparentes e identificar cada um deles com uma etiqueta, com o nome e a figura do que deve ficar guardado ali. Pesquisando um pouco no “Googole imagens” você encontra fotos de todos os tipos de brinquedos que você precisar.
c)    Use gaveteiros plásticos para separar miudezas. Eles têm diversas vantagens: são muito mais baratos do que móveis de madeira, leves, fáceis de limpar e empilháveis, possibilitando montagem do tamanho que você quiser. Novamente, que você os encontra em lojas de utilidade doméstica, decoração/reforma e até supermercados. Existem até mesmo modelos coloridos ou com estampas infantis. Aqui eu optei mesmo por reaproveitar gaveteiros que já tinha, de cores neutras, Foram parar na brinquedoteca do meu filho, organizando os infinitos bonequinhos e carrinhos dele, e no cantinho da leitura, organizando a gibiteca. Coloquei etiquetas ilustradas para identificar o que está guardado em cada gavetinha. Sucesso total, e fim do gibis amassados ou bonecos e carros espalhados pelo chão!
 Gaveteiros de plástico organizam e categorizam miudezas.
Potes plásticos decorados organizam os brinquedos: panelinhas e comidinhas estão nos potes em forma de frutas e legumes; bonecos de super heróis na caixa do Homem Aranha; carrinhos do balde do filme Carros e miniaturas do Toy Storu na caixa do filme. 
Gaveteiro plástico organizando os gibis no Cantinho da Leitura.

3)    Crie cantinhos apropriados para cada atividade
Isso faz parte não apenas de organizar e categorizar, mas cria ambientes propícios para cada tipo de brincadeira, estimulando (muito!) a imaginação e o brincar. Por exemplo:
·         Cantinho do jogo: Para brincar com jogos de montar ou de tabuleiro, é interessante ter uma mesinha infantil por perto. A criança já brinca por ali e guarda logo em seguida. Há mesinhas plástica muito leves e fáceis de limpar cujo preço é muito em conta, e que você encontra facilmente me lojas e supermercados. Uma mesa assim pode ter múltiplos usos (brincar, fazer o dever de casa, lanchar), portanto é um item muito interessante para adquirir.
Mesinha infantil próxima à ludoteca, para facilitar as brincadeiras com jogos de tabuleiro e brinquedos de montar.

·         Cantinho do faz de conta: Disponha bonecas, panelinhas, móveis de miniatura para a criança brincar de casinha. (E SIM os meninos também podem e devem brincar de casinha, se quiserem.) Também vale disponibilizar fantasia e acessórios para a criança se fantasiar de herói, princesa, etc.
Brinquedos que estimulam o faz de conta.

·         Cantinho de artes: Pode ser uma mesa com cadeira e apetrechos de desenho, massinha, recorte e colagem. Você pode também usar a mesma mesa dos jogos, basta colocar os materiais de artes numa prateleira por perto. As crianças também se divertem com quadro negro/branco/magnético para brincar. Outra opção é separar uma parede (toda ela ou somente uma parte) para as crianças brincarem, dentro ou fora de casa. Hoje em dia existem tintas magnéticas, que podem deixar uma parede imantada. Ou se você pintar uma parede com tinta fosca lavável na cor preta, ela vira um quadro de giz. Outra ideia e colocar uma parede com azulejos brancos lisos, onde as crianças podem fazer arte à vontade, e depois lavar (ou permitir que façam isso na parede do box do banheiro, é diversão garantida).
Escrivaninha com materiais diversos para o desenho organizados em pequenos gaveteiros de plástico.

·         Cantinho da Leitura: Estante com livros e gibis ao alcance da criança. Coloque um pufe, tapete ou cadeira confortável por perto, pra criança ler e relaxar. Ele também pode simplesmente ser perto da cama, assim ela pode se deitar e ler lá mesmo.
Cantinho da Leitura, com pufe no cantinho à direita, pra sentar/deitar e desfrutar dos livrinhos e gibis. 

Ufa! Você deve ter ficado com a impressão de que precisa morar numa mansão ou ter um quarto gigante para o seu filho, além de um bocado de dinheiro, para fazer isso tudo, não é? Claro que não! Em primeiro lugar, você não precisa fazer tudo de uma só vez, nem em um só lugar. Vá construindo e oferecendo essas atividades aos poucos, de acordo com os interesses que você observa no comportamento e desenvolvimento do seu filho. Em segundo lugar, grande parte das coisas podem ser reaproveitadas, recicladas ou compradas de segunda mão. E além do que, lembre-se: a criança não precisa de toneladas de brinquedos, e sim de BONS brinquedos!
Vale lembrar também que esses cantinhos não precisam ficar necessariamente todos no quarto da criança. É uma grande idéia espalhá-los pela casa. Você pode ter uma estante com jogos num cantinho da sala, e jogar com a criança na mesinha de centro. Pode colocar um fogão de brinquedo e panelinhas num cantinho da cozinha, pra que a criança brinque de fazer comidinha, enquanto você cozinha de verdade. Ou colocar uma mesinha de plástico e os apetrechos de artes na varanda, onde a “sujeira” dessas atividades seja até mesmo mais liberada. Dessa forma, você torna não apenas o quarto da criança acessível e divertido pra ela, e sim toda a sua casa, onde seu filho poderá desfrutar de momentos de prazerosa convivência com toda a família.
NOTAS:
[1] Leia mais sobre este assunto aqui:
[2] Leia mais sobre este assunto aqui:
BIBLIOGRAFIA
BRAZELTON T Berry; SAPARROW Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artmed.


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

OS MALEFÍCIOS DO TREINAMENTO DE BEBÊS

[por Taicy Ávila]
Imagine que você, aos seus 20, 30, 40 ou sei lá quantos anos, acabou de perder a sua mãe, que morreu repentinamente. Você está arrasado, chorando inconsolavelmente. Um amigo[a], seu ao companheiro[a] ou algum parente querido, enfim, alguém que você gosta, vem e lhe dá um longo abraço. Depois de algum tempo, essa sensação reconfortante faz com que você pare de chorar. Então você pensa que aquela pessoa está disponível pra você, e irá te ajudar a enfrentar a dor da separação. Mas... tão logo você pare de chorar, a pessoa se solta de você, vira-lhe as costas, e vai cuidar da sua própria vida, pois está muito atarefada. Como você se sentiria? Desamparado? Iria confiar novamente naquela pessoa?
Pois agora imagine que você é um bebê recém nascido. Você ainda não tem noção de tempo, de espaço, de permanência, nem da diferença entre eu/outro. Seu mundo está centrado no afeto que você recebe da sua mãe, junto com o leite e o colo materno, e você crê que sua mãe faz parte de você. Por isso, o contato pele a pele com a mamãe é a sensação mais reconfortante do mundo. Quando você chora, sua mãe lhe pega no colo, e isso faz com que você pare de chorar. Mas assim que você para de chorar... sua mãe o AFASTA dela, colocando-o no berço. Como você se sentiria? Desamparado. Você não sabe por que ela fez isso, apenas sente que precisa desesperadamente do contato, está imensamente angustiado sem ele, pois uma parte de você (a sua mãe) desapareceu repentinamente. Então começa a chorar de novo. Sua mãe o pega novamente no colo. Tão logo você se acalma... ela o devolve ao berço, seu “devido” lugar. Você chora de novo, e o ciclo se repte infinitamente.
Essa dança esdrúxula continua até que um dos dois se canse: ou você para de chorar e, a partir daquele momento, convive com a sensação internalizada de desamparo. Ou sua mãe percebe que tudo isso é inútil e decide lhe dar o colo e o peito sempre que você “pedir” através do choro ou inquietação. De qualquer forma, será que passar por essa experiência de desamparo, por repetidas vezes, pareceu algo positivo pra você?
Pois é isso que os métodos de treinamento de bebês preconizam. Que você faça o seu filho passar repetidamente pela experiência do desamparo, até acostumar-se com ela e desistir de chorar, pois já perdeu as esperanças de que o seu choro seja acudido. Alguns métodos pregam abertamente que o bebê deve ser deixado chorando, e os pais não devem dar-lhe colo em hipótese alguma. Já outros parecem mais “suaves”, e dizem que não se deve deixar a criança chorando, que deve-se acudir ao choro, mas, tão logo ele cesse, a criança deverá ser colocada de volta no berço. Também dizem que a criança deverá ser posta no berço ainda acordada, afinal, ela precisa “aprender” a dormir sozinha, e consolar a si mesma.
Todos os métodos (e também o senso comum) dizem que não podemos dar colo aos bebês sempre que eles choram, pois isso os tornaria “dependentes”. Que ilusão! Dando-lhes colo ou não, os bebês JÁ SÃO dependentes. Bebês recém nascidos obviamente não podem alimentar-se, limpar-se ou mesmo moverem-se sozinhos. A essa absoluta dependência do recém nascido, Freud denominou “desamparo primordial”. Ou seja, todo ser humano nasce dependente de cuidados de alguém para sobreviver, sem os quais está desamparado (e condenado à morte) tanto física quanto psicologicamente. Assim sendo, a função da mãe, ou de qualquer pessoa que desempenhe o papel materno, é AMPARAR o bebê. Como já dissemos aqui, o bebê ainda não tem noção de tempo, de espaço, de permanência, nem da diferença entre eu/outro. Ele só poderá construir essas noções, e assim se constituir como indivíduo, a partir do AMPARO oferecido pela mãe. Do colo, do olhar, da voz, do toque, do cheiro, oferecidos pela mãe, quando o bebê tem seu choro atendido e consolado. Na Psicologia do Desenvolvimento, os mais diversos autores, depois de Freud, ratificaram esta idéia.
Winnicott chamava o amparo dado pela mãe de “holding”. Em inglês o verbo “to hold” significa tanto segurar/amparar quanto abraçar. Consideramos a escolha dessa palavra pelo autor não apenas significativa, mas também poética. Segundo Winnicott, todas as mães são naturalmente boas o suficiente para fornecerem o holding adequado aos seus filhos, desde que não haja traços de doença mental nelas. E nós acrescentaríamos: desde que não sejam constantemente instruídas pelos “especialistas” a não atender ao choro do bebê, para que ele não seja “mimado”.
Erikson denominava o amparo de “sentimento de confiança básica”. Segundo ele, ao satisfazer as necessidades do bebê, a mãe transmite a ele a sentimento de que ele é valioso (pois merece ser atendido) e o mundo é um lugar bom (pois o atende). Assim o bebê poderá sentir-se confiante, e desenvolver a virtude da vontade, que dará base à sua futura autonomia. Do contrário, quando o bebê não é atendido, interiorizará as sensações de que ele não é valioso e o mundo é um lugar negativo, levando-o à desconfiança em si nos outros.
Mahler e seus colaboradores falavam da “simbiose” entre mãe e bebê onde, ao ser atendido e amparado constantemente pela mãe, bebê a introjeta, colocando-na dentro do seu ego (eu) e assim tornando-se capaz de, futuramente, sentir-se amparado em seu mundo psíquico interno, mesmo na ausência da mãe. Ou seja, tornando-se capaz de iniciar sua autonomia e se autoconfrotar, a partir da experiência de ser confortado pela mãe.
Spitz falava da importância da “identificação primária”, definida como um estágio primitivo entre o eu e o não-eu, vivenciado por todos os bebês no início de sua existência. Segundo Spitz, o bebê só poderá superar esse estágio inicial através do TOQUE, do contato pele a pele, proporcionado pela mãe em todos os momentos de cuidados e também de carinho e brincadeiras com o bebê. Através do toque materno o bebê construirá paulatinamente a idéia de que existem limites que definem o seu corpo, separando-o do corpo da mãe. Assim ele abrirá as portas para o processo de “identificação secundária”, que ocorre através da imitação e do faz de conta, dando início à aquisição da autonomia. Ou seja, o contato pele a pele fará com que o bebê descubra o seu corpo como separado do corpo da mãe; só assim ele poderá ver a mãe, e todas as outras pessoas que o cercam, como alguém que pode ou não ser imitado por ele, para formar a sua própria identidade. A falta do toque materno não apenas retarda a aquisição dessa autonomia e a construção da identidade como, se for muito extremada, leva a doenças psicossomáticas tão graves que podem culminar até mesmo com a morte do infante.
Bowlby elucidou o conceito de “apego”, ou seja da relação e necessidade do vínculo entre o bebê e a mãe. Segundo o autor, a necessidade do vínculo de apego, para o bebê, é tão grande quanto a de alimento ou quaisquer outras necessidades fisiológicas necessárias à sobrevivência. O bebê precisa sentir um apego seguro, sabendo que, sempre que chorar ou o solicitar de quaisquer formas, a mãe atenderá às suas necessidades. O fato de sempre ter suas solicitações atendidas proporcionará ao bebê a internalização desse vínculo com a mãe, formando uma base segura para que ele possa, mais adiante, vir a explorar o mundo mais amplo. Esta relação íntima e calorosa entre o bebê e a mãe, segundo o autor, constituía a base para a formação da personalidade e a saúde mental do indivíduo. Estudando o comportamento das crianças que foram privadas desse apego afetuoso com a mãe (ou outra figura substituta) ainda em tenra idade, o autor concluiu que havia um impacto direto na saúde mental, provocando ansiedade, depressão, agressividade, delinquência e forte sentimento de culpa.
Durante séculos, ou milênios, os seres humanos consideraram muito natural que os bebês fossem mantidos o tempo todo junto de suas mães, muitas vezes, carregados junto ao corpo delas, em tipóias, pela maior parte do tempo. Que fossem amamentados em livre demanda. Que dormissem junto de seus pais. Somente no início do século XX, com o advento da puericultura e da higiene como ciências, bem como da indústria do leite em pó, introduzindo a amamentação com mamadeiras em larga escala, começaram a surgir “regras” que aconselhavam o contrário: que os bebês deveriam ser alimentados com escalas de tempo rígidas, que deveriam dormir sozinhos em berços e deveriam aprender a serem “autônomos” desde cedo. Todas essas supostas orientações já foram derrubadas pela Psicologia do Desenvolvimento e ciências afins, mas sua penetração em nossa sociedade foi tão profunda que o primeiro conselho ouvido por pais e mães de primeira viagem costuma ser alguma variação da frase “Deixe o bebê chorar para não ficar mal acostumado”.
Já sabemos há décadas os efeitos da privação materna sobre os bebês, estudados pelos mais diversos autores, como expusemos aqui. Ainda assim, a prática de deixar os bebês chorando, fazendo-os passar repetidamente pela experiência profunda do desamparo, continua a ser recomendada, não apenas pelos palpiteiros de plantão, mas também por autores muito populares de livros de puericultura. Por isso, grande parte de nossas crianças passou, e continua passando, pela experiência de chorar sozinha até aprender a se “autoconfortar”. Não é de se admirar que hoje a depressão seja considerada o “mal do século”, e os antidepressivos e calmantes estejam entre os fármacos mais vendidos em todo o mundo ocidental.
Portanto, da próxima vez que alguém lhe aconselhar a deixar o seu bebê chorando, não tenha dúvidas: siga o seu coração, pegue o seu bebê no colo, conforte-o, embale-o, olhe-o acarinhe-o, dê-lhe o peito. Sim, hoje ele é dependente de você. E atender bem a essa dependência agora, confortando-o, será a base para que ele possa começar a construir sua futura autonomia, independência e saúde mental.
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Taicy Ávila é Psicopedagoga e Mestre em Psicologia pela UnB (Universidade de Brasília).
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Bibliografia:
BOWLBY, J. (2006). Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes.
MAHLER, M.; PINE, F.; BERMAN, A. (1993). O nascimento psicológico da criança: simbiose e individuação. Porto Alegre: Artes Médicas.
SPITZ, R. A. (2004). O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes.

WINNICOTT, D. W. (2006) Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.

terça-feira, 15 de julho de 2014

O TOP 10 DA DISCIPLINA POSITIVA [*]

(Por William Sears & Martha Sears) [**]

Um dia eu estava observando uma família na sala de espera do meu consultório. O filho pequeno brincava alegremente a uns poucos passos de sua mãe, e às vezes voltava para o colo dela para um breve aconchego, e depois voltava a brincar. Quando se aventurava a afastar-se um pouco mais, ele olhava para a mãe em busca de aprovação. Ela acena e sorria “Está tudo bem!” e ele seguia confiante para explorar novos brinquedos. Nas poucas vezes em que a criança começava algum comportamento impróprio, a criança o olhava nos olhos e o pai o redirecionava fisicamente para que ele recebesse a mensagem. Havia paz na criança, e uma autoridade confortável em seus pais. Foi fácil perceber que havia um bom relacionamento entre eles. Não resisti e os elogiei: “Vocês são bons disciplinadores”. Surpreso, o pai replicou: “Mas nós não batemos em nosso filho”.
Nosso conceito sobre a palavra disciplina era, obviamente, diverso. Como muitos outros pais, eles relacionavam disciplina com uma reação ao mau comportamento. Eles não percebiam que a maior parte da disciplina é aquilo que você faz para encorajar o bom comportamento. É melhor evitar que uma criança caia, do que fazer um curativo na ferida depois da queda.
Disciplina é tudo o que você dá a uma criança para influenciar o seu desenvolvimento. Mas como você deseja que a criança se desenvolva? O que o seu filho vai precisar ter para se tornar a pessoa que você deseja? Sejam quais forem os seu objetivos, eles deverão ser baseados em ajudar a criança a desenvolver mecanismos de autocontrole dos quais ela precisará para toda a vida. O sistema deve servir de guia ao seu filho quando ele tem 4 anos e também quando ele tiver 40, e deve estar integrado à personalidade dele. Se a vida do seu filho fosse um videoteipe, e você pudesse avançar algumas décadas quais qualidades você gostaria de ver no adulto que está no vídeo? Aqui está a nossa lista de desejos para os nossos filhos:
·         Sensibilidade
·         Confiança e boa autoestima
·         Sabedoria para fazer as escolhas certas
·         Habilidade para relacionamentos íntimos
·         Respeito pela autoridade
·         Habilidade para resolver problemas
·         Senso de humor
·         Habilidade para se concentrar em objetivos
·         Honestidade, integridade
·         Sexualidade saudável
·         Responsabilidade
·         Desejo de aprender
Uma vez que você conhece os seus objetivos, você poderá definir como alcança-los. Lembre-se que o seu filho não é uma folha em branco, onde você pode escrever os seus desejos. A personalidade do seu filho é guiada, e não formada, por você e outras pessoas significativas para ele. Você precisa levar a individualidade da criança em consideração. Já que pais e filhos têm diferentes temperamentos e personalidades, assim como as famílias têm diferentes estilos de vida, a maneira como os pais guiam seus filhos deve variar. No entanto, há conceitos básicos sobre disciplina que não variam, a despeito das características de pais e filhos. Os dez princípios básicos que se seguem devem ajuda-lo a refletir sobre como a disciplina funcionará no seu lar.
1.    Conecte-se desde cedo
A disciplina é fundamentada no relacionamento saudável entre pais e filhos. Para saber como disciplinar o seu filho, antes de tudo é preciso conhecer o seu filho. Esse tipo de conhecimento, no fundo, já reside na mente dos pais. Você pode chama-lo de “intuição”, mas esse termo tem uma mitologia que confunde os pais. (“Como saber se posso confiar na intuição? Eu nem sei se tenho alguma!”). Já o termo conexão pode ser compreendido mais facilmente. Através da criação por apego, um estilo de educação baseado na afetividade, você pode construir e fortalecer as conexões entre você e o seu filho, estabelecendo os fundamentos para a disciplina. Pais conectados tornam-se verdadeiros especialistas nos seus filhos, por isso sabem quais tipos de comportamentos esperar destes, e também como expressar as suas expectativas a eles. Filhos conectados sabem o tipo de comportamento que seus pais esperam deles, e se esforçam para fazê-lo por que querem satisfazer aos seus pais. Pais e filhos assim desenvolvem juntos um estilo de disciplina que funciona para eles.
            Pais desconectados, inseguros em relação ao que se passa na mente dos seus filhos, talvez não tenham confiança na sua própria capacidade de disciplinar os filhos, e por isso procuram por respostas de “especialistas”. Eles pulam de um método para o outro, em busca de respostas para problemas que talvez pudessem ter sido evitados. Se você e o seu filho estão tendo problemas disciplinares, e sente que isso os está distanciando, talvez precise trabalhar melhor a conexão com o seu filho. Nunca é tarde demais para melhorar o relacionamento, embora, quanto mais cedo essa conexão seja estabelecida, mais fácil será alcançar a disciplina. Estabelecer uma conexão com o seu filho é o fundamento da disciplina, e o coração da criação por apego.
2.    Conheça seu filho
Estas são as três palavras mais úteis na disciplina. Estude o seu filho. Conheça as necessidades e as capacidades do seu filho em cada estágio. As técnicas de disciplina deverão ser diferentes a cada estágio, pois as necessidades da criança mudam. Uma birra de uma criança de 2 anos precisa de respostas diferentes daquelas de uma criança de 4 anos.
Conheça o comportamento de cada faixa etária. Muitos conflitos surgem quando pais esperam que seu filhos pensem e se comportem como adultos. Você deve saber qual o comportamento é comum em cada faixa etária, para poder diferenciá-los do mau comportamento. Nós achamos a disciplina muito mais fácil no nosso oitavo filho do que no primeiro, principalmente porque sabíamos quais comportamentos precisavam de orientação, paciência e bom humor, e quais precisavam de uma correção firme e imediata. Nós tolerávamos as coisas próprias de cada faixa etária (por exemplo, a maioria das crianças de 2 anos não consegue ficar sentada quieta num restaurante por mais de alguns minutos) mas nós corrigíamos que fossem desrespeitosos ou perigosos pra ela mesma ou para os outros (“Você não pode subir na mesa”).
Entre na mente do seu filho. Crianças não pensam como adultos. Crianças fazem coisas malucas e têm pensamentos malucos – ao menos para os padrões adultos. Você ficará louco, se julgar o comportamento do seu filho pelos padrões adultos. Uma criança de 2 anos que corre em direção à rua não está sendo desafiadora, ela apenas quer a sua bola de volta. A ação segue o impulso, sem passar pelo pensamento. Uma criança de 5 anos gosta tanto do brinquedo do amigo que o pega “emprestado”. Um adulto talvez pare e pese a necessidade, segurança e moralidade de uma ação, mas uma criança pequena não o faz. Veja as coisas com os olhos do seu filho, a fim de entender a causa do seu comportamento e redirecioná-lo Nós chamamos isso de “pensar como a criança”. Aqui vai um exemplo.
Nosso Matthew, aos 2 anos de idade, era uma criança muito concentrada. Ele ficava tão focado numa brincadeira que era difícil para ele deixa-la quando era hora de ir embora. Um dia, ele estava brincando e nós estávamos atrasados para um compromisso importante, então Martha o pegou e o levou até a porta. Matthew protestou com uma birra, típica dos 2 anos de idade. Inicialmente, Martha tentou usar o tradicional “sou eu quem está no comando”, e achava que estava certa em esperar que Matthew a obedecesse e deixasse seus brinquedos de lado. Mas, ao ver uma criança chorando e dando birra na porta, ela percebeu que havia perdido o equilíbrio da disciplina, e não estava lidando bem com a situação. Sua atitude estava baseada na necessidade de partir, mas não havia levado em conta as necessidades de Matthew de aviso prévio e uma transição mais gradual. Ela percebeu que não estava na natureza de Matthew deixar suas atividades tão rapidamente, mesmo que ele tivesse que cumprir um prazo. Ele não estava sendo desafiador, estava apenas sendo honesto consigo mesmo. Ele precisava de um tempo maior para deixar os seus brinquedos. Então ela calmamente o levou de volta aos seus brinquedos, sentou-se com ele, e juntos disseram “Adeus brinquedos, adeus caminhões, adeus carros”, até que ele se sentisse confortável para ir embora. Isso demorou apenas alguns minutos,  tempo que, de outra forma, teria sido gasto lutando contra Matthew no carro. Isso não foi uma “técnica” ou um “método”; esta ação disciplinar surgiu naturalmente do respeito mútuo entre mãe e filho, e do conhecimento que Martha tinha sobre a personalidade de Matthew. Ao fim desse exercício, Martha sentiu-se aliviada por ter conseguido aquilo que precisava – tirar Matthew de casa sem birra. Ela o havia ensinado uma maneira de se desligar de suas atividades sem fazer birra. Isto é disciplina.
Perceber o quanto a disciplina funcionava melhor quando levávamos em consideração as necessidades dos nossos filhos foi fundamental para nós. Inicialmente, tivemos de superar o medo de estarmos sendo manipulados pelos nossos filhos, pois havíamos lido, ouvido e crescido com a concepção de que os bons pais estão sempre no comando. No entanto, descobrimos que levar em conta a perspectiva dos nossos filhos nos ajudava a estar no comando. Conhecer nossos filhos tornou-se a chave para saber como discipliná-los. Eles sabiam que estávamos no comando, pois éramos capazes de ajuda-los a obedecer. Isso não deixava dúvidas em suas mentes, de que mamãe e papai “sabem o melhor”.
3.    Ajude seu filho a respeitar a autoridade
Pais, se encarreguem dos seus filhos. Isto é básico na disciplina. Porém, ser uma figura de autoridade para o seu filho não vem automaticamente no pacote de ser pais. A criança a quem se diz que ela deve obedecer ou “ela vai ver” talvez se comporte, mas o faz por medo, não por respeito. “Honrai seu pai e sua mãe” é um ensinamento sábio e atemporal, e não temei-os. Honrar implica tanto obediência quanto respeito.
Como fazer com que seu filho o respeite? Uma figura de autoridade precisa ser tanto sábia quanto acolhedora. Primeiramente, conecte-se com o seu filho. Comece como um provedor de conforto ao seu bebê. Fazendo-o, você aprenderá a conhecer o seu bebê, e ele aprenderá a confiar em você. O respeito pela autoridade é baseado em confiança. Uma vez que o seu filho confiar que você proverá as necessidades dela, também confiará em você para estabelecer limites. Certa vez perguntei a uma mãe porque ela se sentia tão confiante em ser uma figura de autoridade. Ela replicou “Grande parte de minha confiança vem do fato de conhecer o meu filho”. Por compreender a criança, ela era capaz de guia-la, e saber que ele a seguiria. Muitos pais confundem estar no comando com estar no controle. Ao invés de controlar diretamente a criança, a figura de autoridade sábia controla a situação, de modo que fique mais fácil para a criança aprender a controlar a si mesma. As crianças respondem com confiança e respeito genuínos, em vez de medo e rebelião.
4.    Estabeleça limites e forneça a estrutura
Estabeleça regras, mas também crie condições para que as regras sejam fáceis de seguir. As crianças precisam de limites. Elas não se desenvolvem nem sobrevivem sem limites, assim como os seus pais também não. Para poderem aprender sobre o seu ambiente, as crianças pequenas precisam ser enérgicas e exploradoras. Este é o trabalho delas. Controlar o ambiente é o trabalho dos pais. Isso envolve tanto estabelecer limites, quanto fornecer estrutura, que significa criar uma atmosfera doméstica que torne mais fácil respeitar os limites. Estabelecer limites para uma criança pequena significa dizer não a uma criança exploradora, que poderá encontrar problemas a qualquer momento; fornecer estrutura significa tornar a casa um ambiente seguro, “à prova de crianças”, para oferecer às cabecinhas exploradoras um ambiente seguro onde elas podem aprender.
5.    Valorize a obediência
Seu filho será tão obediente quanto você esperar, ou tão desafiador quanto você permitir. Quando perguntamos a pais de crianças obedientes por que elas os obedecem, todos respondem “Porque nós esperamos que elas façam assim”. Por mais simples que isso pareça, muitos pais deixam esse fato escapar. Eles estão muito ocupados, seus filhos têm “gênio forte”; e inventam desculpas “isso é apenas uma fase difícil”.
            Uma criança pequena não sabe quais comportamentos são aceitáveis, e quais não são, até que você diga isso a ela. Certa noite, num restaurante, nós observamos duas famílias lidarem a mesma situação disciplinar de formas distintas. A criança de dois e anos e meio estava constantemente se pendurando no encosto da cadeira, e continuou fazendo-o até que isso começou a incomodar as pessoas que estavam sentadas nas proximidades. Os pedidos insistentes dos pais não foram o suficiente para deter o pequeno escalador. Era bem claro que aquela criança não sabia que aquele comportamento era inaceitável. Para ela, a mensagem era de “Nós preferiríamos que você não se pendurasse, mas não faremos nada para mudar isso.” Outra crianças de 2 anos e maio recebeu uma mensagem diferente, e mostrou um comportamento diferente. O pai sentou-se próximo à criança, frequentemente se dirigia a ela, envolvendo-a na conversa da família. Assim que a criança começava a escalar a cadeira, o pai imediatamente o pai a redirecionava e educadamente a colocava de volta em seu assento. Com uma combinação de distração criativa, bem como atitude firme e respeitosa, o pai ensinava à criança que não era permitido escalar seu assento. A criança recebeu a mensagem de que as tentativas de escalar não seriam aceitas. Assim, ela gravou esta informação em seu banco, para outras vezes em que estivesse num restaurante, onde provavelmente faria menos tentativas de subir na cadeira.
            Os pais desta segunda família davam sinais de controlar o comportamento? Sim, mas na acepção correta do termo. Controle abusivo é quando você impõe a sua vontade sobre a criança esperando que ela obedeça, em detrimento ao relacionamento. Quando você insiste na obediência e ajuda a criança a se controlar, você está usando sua influência sobre ela de uma boa maneira, ajudando a desenvolver o autocontrole. Lembre-se, as crianças desejam limites, para não se sentirem fora de controle, e elas querem que os pais estabeleçam esses limites. Elas continuam testando os limites, para ver se você os sustenta. Quando você não os sustenta, a criança sente-se ansiosa, pois ninguém se mostra forte o suficiente para contê-la. Para uma criança, isto é assustador. Plante a semente da cooperação, para que seu filho deseje obedecer. Espere que seu filho se torne uma boa pessoa com quem conviver, e ajude-a alcançar isso. Ele o agradecerá mais tarde.
6.    Modele a disciplina
Um modelo é um exemplo que seu filho imita. A mente de uma criança em fase de crescimento é uma esponja, sugando as experiências da vida; é uma câmera captando tudo o que a criança ouve e vê, armazenando essas imagens num arquivo mental para reprises posteriores. Essas imagens armazenadas, especialmente aquela repetidas com freqüência por pessoas importantes na vida da criança, tornam-se parte de sua personalidade – da própria criança. Por tanto, um de seus trabalhos como pai é providenciar bom material para que seu filho absorva.
“Mas eu não sou perfeito.” Claro que não. Nenhum pai é perfeito. Enquanto escrevíamos este livro, Martha e eu sempre dizíamos “Nós sabemos disso tudo e ainda cometemos erros.” Na verdade, um modelo perfeito não é saudável – um objetivo quem nem os pais nem os filhos podem atingir (embora talvez se machuquem tentando). É a sua atitude geral que conta, e não uma explosão ou falha ocasional. Se um pai é habitualmente raivoso, a raiva se torna parte da identidade da criança. A criança aprende que é assim que as pessoas lidam com a vida. Se um pai dá exemplo de alegria e confiança, mas ocasionalmente fica raivoso, a criança tem um modelo mais saudável: as pessoas estão felizes na maior parte do tempo, mas às vezes dificuldades te deixam com raiva. Então você lida com a situação e torna a ser feliz.
Pais, vocês são a primeira pessoa que o seu filho conhece. Vocês são os primeiros cuidadores, figuras de autoridade, colegas de brincadeira, modelo de homem e de mulher. Você estabelece o padrão da atitude do seu filho para com autoridade, sua habilidade para brincar com pares, e sua identidade sexual. Parte de você mesmos e torna parte do seu filho. Sim, muito do comportamento do seu filho é genético. Mais de um pai já reconheceu que “ele veio assim de fábrica”, mas muito também é influenciado pelos modelos de comportamento que a criança recebe.
7.    Alimente a autoconfiança do seu filho
A criança se que sente bem se comporta bem. A pessoa que cresce com uma auto-imagem positiva é mais fácil de ser disciplinada. Ela se vê como uma pessoa valorosa, e por tanto se comporta de maneira valorosa. Ela é capaz de deixar o mau comportamento de lado para continuar a sentir-se assim. Quando uma criança assim tem um comportamento errado, ela volta mais rapidamente ao caminho correto, com menos necessidade de correção.
            A criança com uma auto-imagem ruim não é assim. A criança que não se sente bem não age bem. Ninguém espera que ele se comporte bem, por tanto ele não o faz. O ciclo vicioso do mau comportamento começa: quanto mais mau comportamento, mais punição, que intensifica a sua raiva e rebaixa sua auto estima, produzindo mais mau comportamento. É por isso que nossa abordagem sobre disciplina é primariamente focada em promover o sentimento interno de bem estar desde o início. Na vida seu filho será exposto a pessoas e ventos que contribuem para sua auto-estima, e outros que a destroem. Nós os chamamos de construtores e destrutores. Exponha o seu filho a muito mais condições que sejam construtoras, e seja você mesmo um construtor para ele.
8.    Modele o comportamento do seu filho
Um pai sábio é como um jardineiro que trabalha com o que ele tem em seu jardim e também decide o que ele quer acrescentar a ele. Ele sabe que não pode controlar as características das flores que ele tem, quando elas florescem, seu perfume ou cor; mas ele pode acrescentar ao jardim as cores que estão faltando, e pode podá-las para que fiquem mais bonitas. Há flores e ervas daninhas no comportamento de todas as crianças. Ás vezes, as flores desabrocham tão lindamente que você nem percebe as ervas daninhas; outras vezes as ervas daninhas tomar conta das flores. O jardineiro rega as plantas, põe estacas para que cresçam direito poda-as para que floresçam mais, e mantém as ervas daninhas sob controle.
As crianças nascem com alguns comportamentos que florescem ou fenecem, dependendo de como elas são cuidadas. Outros comportamentos são plantados e vigorosamente encorajados a florescer. Vistos em conjuntos, estes comportamentos eventualmente formarão a personalidade da criança. As ferramentas de jardinagem que você usa como pai são as técnicas que chamamos de formadoras, formas testadas ao longo do tempo para melhorar o comportamento do seu filho em todas as situações. Estes formadores o ajudam a extirpar as ervas daninhas que atrasam o seu filho e nutrem as qualidades que o ajudam a amadurecer.
O objetivo da formação do comportamento é instilar no seu filho o senso daquilo que é “comportamento aceitável” e ajudá-lo a ter sentimentos positivos sobre eles. A criança aprende a se comportar, para o bem ou para o mal, de acordo com as respostas que ele obtém das figuras que são referenciais de autoridade. Quando a criança recebe respostas encorajadoras ao bom comportamento, ele é motivado a a continuar com ele. Quando a criança recebe respostas desencorajadoras ao comportamento ruim, ele se extingue. No entanto, quando a criança obtém muita atenção, seja positiva ou negativa, ao comportamento indesejável, ele poderá continuar, especialmente se for o único tipo de comportamento que obtém atenção. Seja cuidadoso com quais comportamentos você reforça e sobre como você faz isso.
A maior parte da formação do comportamento são relações de causa e efeito. (Quando o quarto de Billy está uma bagunça, a mamãe diz “Nada de brincar lá fora enquanto o quarto não for arrumado.”) Eventualmente, a criança internaliza essas formações, e ao fazê-lo aprende a ser responsável pelas conseqüências dos seus atos. (“Quando o meu quarto está bagunçado, não é divertido brincar lá, então é melhor arrumar tudo.”) Ele aprende a controlar o próprio comportamento.
A cada estágio do desenvolvimento, as suas ferramentas de formação mudam, dependendo das necessidades do pequeno jardim. Molde o comportamento do seu filho e faça a personalidade dele trabalhar a seu próprio favor. Ele será uma pessoa amável, que contribuirá para o jardim da vida.
9.    Eduque crianças que se importam
Ser uma criança com senso moral inclui ser responsável, desenvolver a consciência e ser sensível para com as necessidades e direitos dos outros. A criança com senso moral tem um código interno ligado ao seu próprio senso de bem estar. Dentro de si, ela sabe que “Eu me sinto bem quando ajo bem, e me sinto mal quando ajo mal”. A raiz do senso moral na criança é a sensibilidade para consigo mesmo e para com os outros, juntamente com a habilidade de antecipar como as ações de uma pessoa afetarão a outra, e levar isso em conta antes de agir. Uma das habilidades sociais mais preciosas que se pode ensinar aos filhos é a empatia – a habilidade de considerar os direitos e sentimentos dos outros. As crianças aprendem empatia com as pessoas q as tratam empaticamente. Uma das melhores maneiras de se criar bons cidadãos é criar crianças empáticas.
            Além de ensinar às crianças comportamento responsável para com as outras pessoas e para com as coisas, também ensine as crianças a assumirem a responsabilidade por si mesmas. Uma das mais valiosas ferramentas para a vida que você pode dar ao seu filho é a de fazer boas escolhas. Você quer implantar um sistema de segurança no seu filho que o lembre constantemente: “Pense bem no que você está prestes a fazer”. Ao aprender a assumir a responsabilidade pelas suas ações nas coisas pequenas as prepara para fazer a escolha séria quando as conseqüências são mais sérias. Nós desejamos que você eduque crianças que se importam.
10.  Dialogue e escute
Não se torne um pai surdo. As melhores figuras de autoridade são aquelas que se comunicam com os filhos. Muitas vezes reelaborar uma orientação para a criança, de uma maneira mais compreensiva para com a criança, faz toda a diferença para que a criança te obedeça ou te desafie. Bons disciplinadores ajudam uma criança fechada a se abrir, e conhecem a regra de ouro: Fale com os seus filhos respeitosamente, da mesma maneira que você quer que eles falem com você.
            Além de aprender a falar com o seu filho, é igualmente importante aprender a ouvi-lo. Nada conquista mais uma criança (ou um adulto) mais do que demonstrar que você valoriza os seus pontos de vista. Estar no comando do seu filho não significa anulá-lo. Ajude seu filho a reconhecer e comunicar apropriadamente os seus sentimentos. Quando uma criança aprende a reconhecer os seus sentimentos, ela se trona sensível para com o que os outros sentem.
            Cada um desses tópicos sobre disciplina depende do outro. É difícil ser uma figura de autoridade, um bom modelo, um modelador de comportamento e um bom professor se você e seu filho não estão conectados e você não o conhece. Talvez você conheça os princípios psicológicos para modelar o comportamento, mas eles não funcionarão se você não se comunicar com o seu filho. E mesmo um relacionamento conectado não garante uma criança bem disciplinada, se você falar em transmitir ao seu filhos suas expectativas em relação à obediência às regras. Estes dez blocos interdependentes formam a fundação da disciplina. Junte-os e você terá uma boa planta para construir uma criança que é uma alegria com quem conviver, e o fará orgulhoso no futuro.

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[*] Capítulo de introdução do livro: SEARS, William; SEARS, Martha. “The discipline book: everything you need to know to have a better-behaved child – from birth to age ten” (O livro da disciplina: tudo o que você precisa saber para ter uma criança bem comportada – do nascimento aos 10 anos). Little, Brown and Company, NY, 1995, pp. 7-14). Aqui traduzido e adaptado por Taicy Ávila.

[**] Pediatra e enfermeira pediátrica; pais de oito filhos criados com apego.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

PARA QUE SERVE A POLÍCIA?


Está circulando como viral na internet um vídeo horrendo (que felizmente é de ficção) de um menino que chama a polícia porque apanhou de cinto de sua mãe. NÃO vamos postar o link aqui para não divulgar ainda mais este material que estimula e propagandeia a violência contra a criança. Mas, gostaríamos de deixar algumas reflexões:
1.    A mãe do menino alega que bateu nele porque foi avisada pela direção da escola, num telefonema, de que ele estava faltando aulas sem o seu consentimento. Se a falta da criança parece grave, qual seria a gravidade da falta da MÃE? Se o seu filho sai de casa para ir à escola, mas mata as aulas, e responsabilidade é somente do pequeno ou também do adulto, que é responsável pela criança? O adulto não acompanha a vida escolar do filho: não o leva e busca na escola (vale lembrar que é uma criança de no máximo uns 10 anos), não verifica seus cadernos, agenda escolar, livros didáticos, deveres de casa, não vai às reuniões de pais e mestres? Porque se a mãe fizesse tudo isso (que é o mínimo esperado de quem acompanha a vida escolar dos filhos) ela certamente já saberia se ele está assistindo às aulas ou não, e não precisaria receber um telefonema da escola pra descobrir a ausência do filho.
2.    Se o filho está matando as aulas, não caberia à mãe procurar saber O QUE motivou a ação da criança? Pois o NORMAL, para uma criança que está aprendendo e se relacionando muito bem com colegas e professores, é GOSTAR da escola. Sim, as crianças gostam de aprender e conviver com colegas e professores na escola. Se elas não gostam e desejam a todo custo evitar a escola, matando aulas às escondidas, isto é péssimo sinal. Pode indicar que elas provavelmente não estão aprendendo, não conseguem acompanhar os conteúdos, que talvez estejam sofrendo bullyng ou discriminação (seja por parte de colegas ou até dos professores), ou estejam sob a influência (talvez até mesmo coação) de pessoas mal intencionadas. O que seria mais efetivo neste caso: BATER na criança ou ir até a escola e conversar com a equipe pedagógica, para saber o que está acontecendo de errado? Será que BATER na criança dará a ela, automaticamente, “vontade” de frequentar as aulas, ou é apenas uma coerção covarde do adulto para se livrar do problema, e ineficaz no sentido de AJUDAR a criança?
3.    Do mesmo modo que a mãe, o policial não se preocupou em averiguar o que motivava a ação da criança. Apenas perguntou ao garoto quantas vezes a mãe lhe bateu, se foi apenas com o cinto, e em qual lugar do corpo. O menino responde que ela bateu “apenas” três vezes, “apenas” com o cinto e “apenas” no bumbum. Como o policial acha tudo isso “pouco” (pelo visto a criança só pode queixar-se quando ferida a ponto de ir direto pro hospital, no mais é “tapinha educativo”) então ele decide... AMEDRONTAR E COAGIR o menino, dizendo que da próxima vez ele mesmo dará uma surra nele. Realmente, pelo visto o policial estava super preparado para lidar com a situação... só que NÃO! Pois agiu de forma nada profissional ao incutir seus valores PESSOAIS em sua conduta.
4.    Se você nunca viu uma criança marcada por levar surra de cinto, estejam certos que JÁ VIMOS. Não é bonito de se ver. E sim, na maioria dos casos, se você perguntar à criança, ela dirá que “mereceu” a surra, pois é isto que toda a sociedade lhe ensinou desde que ela era um bebê e aprendeu a engatinhar, começou a explorar o ambiente, e a levar “palmadinhas educativas” pra aprender a não mexer onde não devia. A violência doméstica contra a criança vai numa escalada: o adulto lhe dá um tapinha para coibir um comportamento. Com o tempo apenas isso não lhe parece eficaz para cumprir a meta de cessar imediatamente com o comportamento indesejado da criança. Então ele começa a dar dois tapinhas, três... em breve começará a usar objetos para bater na criança, tais como cintos, chinelos, varas. Desse ponto para perder o autocontrole, e ferir gravemente a criança, ou talvez levá-la à morte, pode ser uma curta distância, conforme pode-se observar no álbum de LUTO que mantemos aqui em nossa página.
5.    Quase todo mundo a favor de “palmadinhas” também se diz “contra espancamentos”. Mas a repercussão desse vídeo deixou muito claro que as pessoas “pró-palmadinhas” LEGITIMARAM o uso de formas mais graves de agressão, APOIANDO o uso do CINTO para bater em criança. Ou seja, esse vídeo deixa claro que o discurso de que se bate como “último recurso” ou que só se dá “uma palmadinha” é uma furada. No caso do filho que falta às aulas, a mãe não parece ter tomado nenhuma providência antes de bater com cinto, tais como procurar dialogar com a escola e com a própria criança, a fim de verificar como e por que ela estava faltando às aulas. Bater parece ter sido o PRIMEIRO recurso, e não o “último”. Bater não resolve nada, além de descarregar a raiva do adulto e dar a ele mesmo a falsa sensação de que “tomou providencia” em relação ao comportamento inadequado da criança.
6.    A mensagem que o policial dá ao menino ao dizer-lhe "nunca denuncie sua mãe!" é perigosa: se sua mãe te bater, não denuncie, caso contrário, eu bato em você. Alguém viu alguma coerência nisso? Esse é o retrato da cultura punitiva: os pais batem para educar, a polícia bate para punir, o filho denuncia para ser ouvido e, perdendo a capacidade de ser ouvido, só lhe resta a violência. Isso é MUITO GRAVE, pois sabemos que, infelizmente, no Brasil, são cerca de 500 mil casos de espancamentos de crianças por ano [*], e vale lembrar também que, na maioria dos casos, os agressores são pessoas da própria família. Todas as pessoas que abusam de crianças, seja com espancamentos, exploração econômica ou abuso sexual, contam exatamente com o SILÊNCIO das vítimas, e com o DESCASO com que a sociedade e as autoridades tratam as denúncias feitas pelos pequenos.
7.    Ao invés de ameaçar e amedrontar as crianças que têm coragem para denunciar as agressões sofridas, deveríamos educá-las sobre como usar os serviços públicos para a sua proteção, tais como o “Disque 100”, o Conselho Tutelar, o Ministério Público e a própria polícia. Deveríamos também incentivá-las a procurar ajuda de adultos confiáveis que estejam à sua volta, tais como professores, profissionais de saúde e policiais. Bem como exigir que o Estado treine adequadamente estes profissionais para acolher as denúncias das crianças e tomar as devidas providências, e não agirem como o policial retratado caricaturalmente no vídeo.
8.    Uma criança que chega ao ponto de chamar os policiais para ser defendida dos próprios pais só o faz porque os pais já erraram DEMAIS, e precisou encontrar uma coragem tremenda para fazê-lo! Mas, na realidade brasileira, é raro que isso aconteça, pois é muito mais comum que a criança agredida sequer saiba que tem o DIREITO de ser tratada com dignidade, sem quaisquer agressões, e quem existem órgãos de proteção à sua disposição. Mesmo quando a criança chega a procurar ajuda e a fazer uma denúncia, nem sempre é ouvida por quem deveria fazê-lo. Haja vista o caso do menino Bernardo, que deu seu nome à nova lei que protege as nossas crianças. Seu pedido ao Ministério Público, para não ficar mais sob a guarda do pai, não foi acolhido, pois o juiz considerou que ele não sofria agressões “graves”. E todos sabemos como infelizmente terminou esta história: o menino foi cruelmente assassinado. Nossa sociedade precisa mudar, e começar a dar ouvidos e proteção a quem ainda não tem o poder de se defender sozinho. Precisamos dar VEZ E VOZ às nossas crianças. Quantos “Bernardos” a mais estamos esperando, para mudarmos a nossa cultura e atitude?
Autoria do texto: coletivo do grupo "Crescer Sem Violência"
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[*] Para saber mais sobre esses dados, acesse o “Mapa da violência 2012: crianças e adolescente no Brasil”.